Vou deixar aqui um desafio. Vamos pensar um pouco e fazer uma lista dos casais que conhecemos, uma lista com pelo menos dez casais. Dessa lista vamos contar quantos casais encontramos em que a mulher seja mais instruída ou mais bem sucedida profissionalmente do que o marido. No meu caso num conjunto de vinte casais, apenas há uma situação em que ela é doutorada, docente do secundário, e ele vendedor ambulante de bijuterias entre outras coisas. Dos restantes casais, são todos do mesmo nível de escolaridade ou ele possui uma formação superior à dela. Continuando com este exercício, desta mesma lista, vamos contar os casais com idades díspares, considerando díspares diferenças de idades superiores a sete anos. Só encontro, igualmente, um casal e acredito que, com o leitor, o resultado seja semelhante. De acordo com a sabedoria popular – “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és” -, esse fenómeno chama-se homogamia, a tendência para escolher um cônjuge/parceiro com características comuns, como etnicidade, nível social, idade, religião[1].

Pelo mundo fora este assunto foi alvo de estudos e análises para tentar avaliar o que o senso comum nos diz: preferimos o nosso semelhante. Em Portugal, por exemplo, temos o inquérito “Famílias no Portugal Contemporâneo: Estruturas, Dinâmicas e Solidariedades”[2]. De muitos resultados obtidos, vou apenas falar nas sociedades ocidentais – países Europeus, países do continente americano entre outros -, deixando de fora zonas como o Médio Oriente ou África, onde a escolha do parceiro é feito de forma mais calculista, deixando de fora a opção dos interessados. Outras culturas terão outros comportamentos em que a posição social das famílias é que define as relações. Mas aí não é uma escolha, é apenas uma questão de sorte, de se ter nascido numa família com dote, acabando por cair na homogamia social.

No quadro seguinte esboço um resumo das tendências que vemos ao analisar os resultados dos estudos efetuados pelo mundo fora. Há uma relação direta entre o nível social do homem e da mulher e é muito difícil vermos extremos juntos como, por exemplo, um executivo juntar-se a uma operária fabril ou um idoso casar com uma jovem desportista.

Homogamia e Educação

Há uma grande correspondência entre o nível social/escolar da mulher e o do marido. Não é de admirar. O velho cliché de amor e uma cabana é um mito. Na realidade, para uma relação poder crescer de forma sustentável, é necessário existir uma base comum para permitir o diálogo a troca de ideias. Quando há um desequilíbrio, quando é grande a diferença de nível cultural, há tendência para a frustração já que se sente que o outro não nos consegue acompanhar.

“Havia um homem que procurava a mulher perfeita. Procurou e procurou. Conheceu muitas mulheres até que um dia ele encontrou o que procurava mas ela procurava também o homem perfeito, que não era ele.”

Não falo de casos de uma noite, mas sim de algo para crescer com o tempo. Nas relações esporádicas, de curta duração, casos de uma noite, o homem não quer saber se a mulher tem um post-doc, desde que tenha uma barriga lisa e seja bem feita. A mulher já não é bem assim, pondo, no entanto, uma ressalva: uma mulher, no seu período fértil e com as hormonas aos saltos, consegue ser tão libertina como qualquer macho. Dito isto, há uma tendência para a mulher precisar de sentir que aquele que encontrou na discoteca de madrugada e a levou para a cama poderia ser o seu futuro parceiro.

Falo de relações de média e longa duração, onde tem que existir a componente social como, por exemplo, à apresentação aos amigos e família. As prioridades mudam com o sexo. Os homens sentem necessidade de ter alguém esbelto ao seu lado, tipicamente para impressionar os amigos e conhecidos, e só depois é que vêm outros atributos como, por exemplo, a personalidade. Com as mulheres verificamos o oposto. Elas sentem necessidade de respeitar o homem que está ao seu lado: sentir que ele é de confiança, trabalhador, respeitador, meigo e, só depois, giro de morrer. Essas prioridades vão mudando com o passar do tempo.

É por isso que todos gostamos de imaginar um cenário como o filme “Pretty Woman – Mulher de sonho”. Ele tem dinheiro, ela tem beleza. Apesar da diferença social, existe um pequeno lugar onde ambos conseguem estar. Nota sobre o filme: a versão original do script não tinha um final tão doce. Edward expulsava a toxicodependente Vivian da sua limusina. Foi preciso reescrever meia-dúzia de vezes o guião para conseguir o script final usado no filme cor-de-rosa. As coisas são como são, não como queremos. Uma tendência que vemos é que uma mulher bela, mesmo desempregada, dificilmente fica sozinha. Um homem desempregado dificilmente terá companheira para a vida. Num restaurante, os empregados de mesas são virtualmente invisíveis, principalmente se servirem um grupo de advogadas ou médicas; pelo contrário as empregadas são autênticos alvos permanentes dos clientes do sexo oposto.

Tenho um amigo que possuía um bar em Coimbra. Antigo jogador de futebol, tinha com um passado bem recheado de histórias e acontecimentos. Uma das suas perolas de sabedoria que recordo é:

“O pessoal da noite vive e faz a sua vida na noite.”

Se uma pessoa vive num determinado meio, é normal socializar e dar-se com pessoas desse meio. Logo, com o tempo, o passo seguinte acaba por ser relacionar-se com o sexo oposto desse meio. Os nossos amigos costumam ser aqueles com que passamos muito tempo juntos. É frequente verificar, na mesma cidade, a existências centros comerciais próximos com clientela totalmente diferente. Tipicamente, essa seleção é feita com base nos preços praticados. De um lado, podemos ter uma clientela mais selecionada com artigos de melhor qualidade e com preços mais elevados. Do outro, preços inferiores, um ambiente diferente. O mesmo pode ser verificado na diversão noturna. Os donos dos estabelecimentos definem a sua clientela dessa forma. E, de facto, vemos que as pessoas não gostam muito de se misturar. Os pontos de encontro acabam por ser pontos de referência que servem mesmo de objetivos de vida. O local de férias é um bom exemplo disto. Os pacotes de viagem são pensados especialmente para este ou aquele grupo, com preços para diferenciar, instigando muitos a tentar ter um estilo de vida não compatível com a sua realidade.

Os bailaricos da aldeia eram ponto de encontro e local de encantamento onde rapazes e raparigas se encontravam, geralmente aos olhos dos parentes que “aprovavam” as relações. Mesmo com a massificação da educação, vemos este fenómeno continuar pelas camadas sociais. Universitários dão-se mais com universitárias. Quanto mais “instruídos” somos, mais fugimos dos lugares populares e passamos a frequentar outros ambientes, como festas particulares, jantares de amigos, onde é comum o nosso amigo apresentar a nossa futura companheira.

A idade é outro fator de convergência. Já a minha mãe dizia:

“A mulher tem que ser uns anos mais velha do que o homem, aí uns quatro/cinco anos”.

Quando era novo e estúpido, achava o que todos os jovens acham sobre o conhecimento dos nossos pais. Tão antiquada que era a  minha mãe, pensava eu. Olhando para trás, relembrando o quanto novo e estúpido eu era, consigo ver a lógica do argumento. Em Portugal, valores calculado em 2015, a esperança média de vida é de 80 anos, 77 anos para os homens e 83 para as mulheres. Olhando com a visão de um antropólogo, podemos dizer que é para evitar que um viva muito mais tempo depois de o outro morrer.

Da mesma maneira que somos condicionados pelo meio, as nossas relações também são filtradas pelos nossos interesses. Quando somos crianças, vivemos maravilhadas e só queremos brincar. Na casa dos 20 anos, ambicionamos ter um trabalho e ter independência. Aos 30 anos, no pico da nossa forma física, a definição de realização costuma ser dinheiro e uma vida social ativa; aos 40, já somos felizes se tivermos uma vida estável com uma família feliz. A partir dos 50, já em declínio, ficamos satisfeitos se ainda tivermos amigos e um bocadinho de saúde. O contexto é tudo. Dificilmente terão uma mulher de 50 com um miúdo de 20 ou, vice-versa, um senhor de 50 com uma miúda de 20. No início pode haver aquele encanto de admiração, sabedoria e conhecimento. Com 20 anos, podemos ter tido uma vida preenchida e a necessidade de crescer, enquanto outras pessoas, com 40 podem ainda ser crianças imaturas e, nesse caso torna-se possível um relacionamento. Mas com o tempo vêm as incompatibilidades. Um vai querer sair, outro ficar em casa. Um requer atenção, outro precisa de distração. Se relacionamentos com tudo para dar certo falham, mais um handicap na equação não ajuda. No entanto é possível. É preciso ponderar bem e saber que é um caminho que requer trabalho. Como tudo na vida.


[1] “homogamia”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/homogamia.

[2] Wall, K., Aboim, S., Almeida, A. N. de, Cunha, V., Guerreiro, Maria das Dores, Lalanda, Piedade, Rosa, R., Coito, Pedro Vasconcelos (2000). Famílias no Portugal Contemporâneo: Estruturas, Dinâmicas e Solidariedades. Lisboa: ICS/UL